terça-feira, 20 de março de 2012

7º ano - Idade Média


Como era a vida na Idade Média

Por mil anos, a Europa dividida em feudos foi controlada pela Igreja e por nobres. A Idade Média moldou o continente que dominaria o planeta, mas a vida era dura

Tiago Cordeiro | 01/04/2010 14h46
*Ilustrações Eduardo Schaal
Sábado de um típico camponês na França do século 10 começa às 5 da manhã. Ele, a esposa e os quatro filhos acordam em sua casa de um único cômodo, comem mingau de pão e dão início à labuta. O pai e os mais velhos, de 12 e 14 anos, vão para o campo - a colheita de trigo e cevada está atrasada. A família passou os dois dias anteriores cumprindo o trabalho obrigatório nas terras do senhor feudal. Há muito o que fazer. A mãe e os mais novos, de 6 e 8 anos, vão lidar com a horta e as galinhas. Todos fazem uma rápida pausa para comer (sempre que possível, peixe). O batente só termina quando já está escuro. Eles dormem juntos, sobre um amontoado de palha, iluminados por velas de sebo e aquecidos por uma pequena fogueira no centro do cômodo. Descansam felizes. O dia seguinte é o único da semana em que a rotina árdua muda um pouco: seguem o comando dos sinos e vão à missa. Rezam por suas almas e são orientados mais a temer o diabo que a adorar a Deus. 

Assim viveram, durante dez séculos, 90% dos habitantes do Velho Continente. Do ponto de vista deles, a Idade Média foi uma época de contrastes sociais profundos, violência, doenças (a metade dos bebês não chegava aos 2 anos) e tímido avanço tecnológico, à mercê das intempéries da natureza. Nessa era de preces, pão e fuligem, as pessoas mais simples morriam cedo, comiam quando dava e se submetiam às determinações dos senhores e dos padres. Já a nobreza construía castelos, cobrava impostos pesados e devorava até 9 mil calorias diárias. Um singelo botão de ouro no vestido de uma dama equivalia a 140 dias de trabalho de um camponês. 
A Idade Média é delineada pouco antes da data oficial de origem: 4 de setembro de 476, quando o imperador Rômulo Augusto é destronado. Desde os anos 300, a falta de controle de Roma sobre as províncias dava margem para as constantes invasões dos bárbaros - os estranhos povos do norte que não falavam latim. Moradores de áreas isoladas estavam sujeitos a ondas de saque permanentes. Na falta de um governo central forte, o jeito foi pedir ajuda aos ricos mais próximos. "No século 4, começa a surgir uma relação de dependência. Os camponeses oferecem tudo o que têm: a força de trabalho. Em troca, conseguem viver com o mínimo de paz", diz Paul E. Szarmach, diretor da Medieval Academy of America. Essas relações são mediadas por códigos de honra, obrigações claras, e acabam disseminadas. Normas de conduta são herdadas da seita judaica que havia se desenvolvido e ocupado corações e mentes do império. Entre os legados romanos incorporados pela Idade Média, o cristianismo é o mais marcante. De reis a agricultores, é mandatório seguir os ditames da Igreja.

MOsteiros se espalham pelo continente e logo se configuram como o grande (e único) centro de saber. "Em tempos sem imprensa e de ampla maioria de analfabetos, as bibliotecas dos mosteiros são um instrumento de controle. Mesmo nobres ricos só têm acesso a obras consideradas aceitáveis", afirma Patrick Geary, historiador da Universidade da Califórnia. Rica, aliás, também é a Igreja. Prospera com o dízimo e doações de terra, o que permite a proliferação das construções. As abadias funcionam como abrigo para os desvalidos (veja à dir.). E para os enfermos, claro. As doenças são vistas como uma manifestação do mal. Os tratamentos consistem em emplastros (o mais comum é feito de mel e cocô de pombo), sangrias e orações. A ciência médica é rejeitada, e os conceitos, oriundos dos gregos, não identificam que enfermidades típicas do período - disenteria, ergotismo (envenenamento por cereal contaminado), peste bubônica - resultam das más condições de higiene e saneamento. O camponês medieval toma banhos semanais (mais do que muitos europeus do século 19), mas dorme com os animais dentro de casa e faz suas necessidades ao relento. Mesmo os castelos só têm uma privada; não há tratamento de dejetos. 

Os religiosos trabalham em suas próprias plantações. Mas nem o serviço braçal muda certos hábitos. São Jerônimo (347-420) dizia que quem aceitou a fé e se lavou no sangue de Cristo não precisava mais aguar o corpo. Por isso os monges fugiam à regra e não tomavam banho mais que cinco vezes... por ano. São eles os maiores produtores de vinho, cerveja e queijo. Em dias comuns, consomem 1,5 quilo de pão (muitos usam grandes fatias no lugar de pratos), com 200 gramas de carne e queijo, e 1,5 litro de vinho ou cerveja.
Exceção feita a poucos personagens, como Carlos Magno (747-814) e Luís IX (1214-1270), os reis têm pouquíssimo poder para além dos muros de suas propriedades. Entre os séculos 9 e 12, a Europa se divide em cerca de 60 feudos. São os senhores feudais que controlam a vida dos arredores. A partir de suas casas fortificadas, que evoluem até se tornar castelos no século 10, eles vivem cercados por empregados. O camponês passa a metade de seu tempo útil trabalhando no chamado manso senhorial, a área de plantio do latifúndio. Ele mesmo vive e cultiva seu alimento nos arredores. Tudo o que planta ali é seu, mas não tem direito a manter em casa fornos ou moinhos. Para usá-los, paga aluguel na forma de produtos que colheu nas terras sob seu controle, patrimônio do senhor. É dele, aliás, entre outras benesses, a prerrogativa de desvirginar as filhas recém-casadas de seus súditos. Ele provê a segurança da comunidade; promove o treinamento de cavaleiros, torneios festivos e a organização das tropas para os combates (veja à dir.). "Nas cruzadas, camponeses e nobres combatiam lado a lado, mas os primeiros eram sempre infantes e estavam em geral mal armados, ao passo que os nobres lutavam nas tropas de elite (a cavalaria) e dispunham dos melhores armamentos", diz Marcelo Cândido da Silva, coordenador do Laboratório de Estudos Medievais da USP. Não só as cruzadas tiram o sangue de cavaleiros e camponeses. As guerras entre os feudos são recorrentes.
 

O período medieval deixou, sim, seus legados . Nele se desenharam os contornos dos principais países europeus válidos ainda hoje. A experiência de autonomia política dos feudos, apesar da influência da Igreja, daria origem ao estado moderno laico. A lista de heranças inclui ajustes no direito romano - que abusava da pena de morte, amenizada por influência cristã. De toda forma, algo é inegável: para quem fazia parte da imensa maioria pobre, a vida era dura e as perspectivas de futuro não iam muito além de conquistar, com sofrimento e suor, uma vaga no Paraíso que nunca teriam na Terra.



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